
Projeto que limita participação trans em eventos esportivos avança na CLJ
Em um cenário marcado por intensos debates sociais e legislativos, o Projeto de Lei 591/2023, que autoriza federações e entidades esportivas a utilizarem o sexo biológico como critério para participação em competições e eventos, deu mais um passo em sua tramitação na Câmara Municipal de Belo Horizonte. Em reunião realizada nesta terça-feira (1º), a Comissão de Legislação e Justiça (CLJ) aprovou o parecer favorável ao texto, além de cinco das seis emendas apresentadas — a maioria delas propostas por parlamentares da base de apoio ao projeto.
De autoria da vereadora Flávia Borja (DC), o PL gerou forte polarização no Legislativo municipal, mobilizando grupos com visões antagônicas sobre inclusão, identidade de gênero e liberdade esportiva. A proposta busca legitimar a definição de sexo biológico, conforme registrado ao nascimento, como critério determinante para participação em competições esportivas no âmbito municipal.
Avanço do projeto e decisões da CLJ
O parecer que deu aval à continuidade da tramitação foi relatado pelo vereador Vile (PL), responsável por analisar o mérito das emendas apresentadas em 2º turno. O relator considerou como constitucionais, legais e regimentais as Emendas 1, 2, 4, 5 e 6 — com ressalvas na Emenda 1, à qual foi apresentada uma subemenda para corrigir vícios legais. Em contrapartida, a Emenda 3 foi considerada inconstitucional, ilegal e regimental.
A votação do parecer terminou com 3 votos favoráveis e 2 contrários. Os votos dissidentes foram proferidos pelos vereadores Edmar Branco (PCdoB) e Fernanda Pereira Altoé (Novo). A parlamentar do Novo argumentou que discordava da avaliação feita sobre uma das emendas.
Com a aprovação do parecer, o projeto segue agora para análise nas Comissões de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor; Mulheres; e Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo. Após passar por esses colegiados, o texto retorna ao Plenário, onde será submetido à votação final. Para ser aprovado em definitivo, precisará da maioria simples dos votos dos vereadores presentes.
Polêmica em torno do conceito de sexo biológico
A Emenda 1, de autoria do vereador Pablo Almeida (PL), incluiu um parágrafo que define sexo biológico como aquele determinado no nascimento, com base no critério cromossômico — XX para mulheres e XY para homens. Também foi incluída a proibição expressa da participação de atletas cuja identidade de gênero não coincida com o sexo biológico.
No entanto, o relator Vile reconheceu que o trecho original da emenda apresentava inconstitucionalidade por afrontar direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal, em especial o artigo 5º, que trata da liberdade de expressão e da identidade de gênero. Para contornar esse impasse jurídico, o vereador apresentou uma subemenda reformulando a redação. O novo texto define o sexo biológico como aquele atribuído no nascimento, conforme registrado na primeira certidão de nascimento emitida pelo Registro Civil de Pessoas Naturais, retirando a menção direta aos cromossomos.
Propostas da oposição e rejeição da Emenda 3
A bancada de esquerda se mobilizou para barrar o avanço do projeto. Vereadores como Juhlia Santos (PSOL), Iza Lourença (PSOL), Luiza Dulci (PT), Dr. Bruno Pedralva (PT), Bruno Miranda (PDT) e Pedro Rousseff (PT) apresentaram cinco emendas, buscando redefinir o conteúdo do texto base.
As Emendas 2 e 6 propuseram substituir o termo “sexo biológico” por “identidade de gênero” como critério definidor para participação em eventos esportivos. Essa alteração permitiria que pessoas trans competissem de acordo com o gênero com o qual se identificam.
Já a Emenda 3 — a única rejeitada pelo relator — foi um substitutivo completo ao projeto original, propondo a reformulação integral do texto e a inclusão de dois novos artigos. Nele, a prática esportiva seria assegurada de forma livre e igualitária em Belo Horizonte, vedando expressamente que federações, clubes, organizadoras de competições e outras entidades adotem critérios discriminatórios, inclusive relacionados ao gênero.
Para o relator, contudo, o conteúdo da Emenda 3 fere preceitos constitucionais ao impor obrigações que extrapolam a competência do município, tocando em esferas regulatórias que cabem à União ou ao Estado.
Estratégia da autora e expectativa para próximos debates
Durante a reunião da Comissão, a vereadora Flávia Borja esteve presente e reforçou sua posição favorável ao projeto. Ela declarou que várias das emendas contrárias à proposta são “incoerentes” e prometeu que serão rejeitadas “uma a uma” nas próximas fases da tramitação.
A parlamentar reiterou que o objetivo do projeto é garantir justiça e equilíbrio nas competições esportivas, argumentando que o critério biológico respeita a integridade física das modalidades. Para os apoiadores do texto, a medida não se trata de discriminação, mas sim de garantir condições equânimes entre os participantes dos eventos.
Do lado oposto, os vereadores da oposição e movimentos sociais alegam que o projeto institucionaliza a exclusão e fere diretamente os princípios da dignidade humana, além de representar um retrocesso nas políticas de inclusão da população transgênero.
Próximas etapas e repercussão social
A matéria segue agora para análise em comissões temáticas, onde deve enfrentar novos embates. Dada a relevância do tema e sua repercussão nacional, é esperado que o debate se intensifique, tanto no Legislativo quanto nas ruas e redes sociais.
Organizações da sociedade civil, atletas e especialistas em direitos humanos já se mobilizam para acompanhar de perto os próximos desdobramentos. O projeto, embora de caráter municipal, toca em um dos debates mais candentes da atualidade: o equilíbrio entre liberdade individual, inclusão e regulação esportiva.
Considerações jurídicas em pauta
A questão da constitucionalidade das emendas e do projeto como um todo deve ganhar ainda mais espaço no debate público. Juristas apontam que a tentativa de normatizar a participação em eventos esportivos com base exclusiva no sexo biológico pode violar tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, além de dispositivos da própria Constituição Federal.
O argumento central dos defensores do PL é a busca por uma regulamentação clara e objetiva, enquanto os opositores denunciam uma tentativa de mascarar o preconceito sob uma aparente neutralidade legislativa.
O embate sobre o PL 591/2023 não se restringe aos corredores da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Ele ecoa temas sensíveis como a identidade de gênero, os limites da autonomia legislativa municipal e o papel do esporte como espaço de inclusão ou exclusão. Independentemente do resultado final, o debate tem provocado reflexões importantes sobre o que significa igualdade em um mundo plural e diverso.
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Fonte: Balcão News