Juiz de Manhuaçu – balcaonews

Juiz de Manhuaçu – balcaonews

Eram duas meninas sorridentes, lindas, ainda bem crianças. Tinham 8 e 10 anos, no máximo. Já passava da hora de levá-las ao futebol para um jogo no Mineirão.

Não que fosse um pedido delas, antes, era um desejo meu. Sonho de pai. Estar junto delas vestindo a mesma camisa preta e branca para sentir aquela vibração que só a torcida do Galo consegue produzir.
Pensei na multidão, nos gritos, no empurra empurra e nos inevitáveis palavrões! Isso me assustava um pouco, confesso.

Ah! É só ir bem cedo, de mãos dadas, pensei. Mas, e os palavrões? Aqueles gritos dirigidos ao time rival, os xingamentos ao juiz, ai meu Deus, as minhas pequenininhas vão ouvir obscenidades muito antes da hora. Pior. Vão sair do Mineirão falando palavrões a torto e a direito. Me lembrei em especial daquela musiquinha que torcida canta toda vez que o juiz apita qualquer coisa contra os altos interesses do Galo. Ei juiz, vai tomar no c*. Viram? Nem aqui eu consigo escrever a palavra toda.

Então, a caminho do estádio comecei a explicar coisas do jogo. Falei dos dois times, da rivalidade, que um dia elas entrariam em campo junto com os jogadores, enfim, fui contando coisas, preparando o clima.

Foi então que tive a ideia, uma ideia de pai protetor. Disse-lhes que a nossa torcida sabia tudo do jogo, que cantava uma musiquinha pra cada jogador, que tinha um tantão de músicas para cada ocasião, tudo pra levar o time pra frente, à vitória. Eu quero é raça, do time todo!!! Quem ficar parado vai tomar um tá ligado!!!! Você pagou com traição, a quem sempre lhe deu a mão! E Gaaaaaalo!

Aproveitei que elas estavam interessadas e saí com essa: olha filhotas, a nossa torcida é tão fanática, mas tão fanática, que até já descobriu que o Juiz do jogo de hoje é de Manhuaçu, aquela cidade que a gente passa pela estrada quando vai à praia, em Guarapari, lembram? Como elas sempre acharam aquele nome engraçado, diferente, lembraram na hora, mas não entenderam o porque da explicação.

Pois bem, chegamos ao estádio e logo nos instalamos num lugar que achei mais calmo, mais seguro. Depois de algumas pipocas, picolés e etc, show de fogos com a entrada do time, hino do Galo a plenos pulmões, o jogo, enfim, começou.

Com menos de 10 minutos o Sr. Vestido de preto marcou um pênalti contra o Galo. A torcida, então, não perdoou e, previsivelmente, entoou o canto que eu mais temia: Ei Juiz … e eu logo emendava no ouvidinho delas, … de Manhuaçu.

A massa repetia sem parar: ei juiz, e eu cantava bem alto, … de Manhuaçu!

Para surpresa dos torcedores ao lado, elas olharam pra mim com uma carinha de espanto e cantaram comigo, … de Manhuaçu!

Tenho dúvidas se consegui salva-las daquela depravação sonora explícita, mas, seja como for, tentei mantê-las na pureza e na inocência daquele momento.

                                                                  João Café

Instagram: @joãocafe_poetadeocasiao

João Café – Poeta de Ocasião: Romântico, louco, apaixonado, cheio de dúvidas, tristonho, animado, alegre, crédulo, decente, por vezes discrente. Humilde, e até humilhado, às vezes enganado, contador de anos e de tantos desenganos. Totalmente inclinado pro lado do bem e do respeito mútuo, também. Leitor curioso, poeta de ocasião, escritor de causos por pura diversão. Praticante do perdão e pensador – cada pensamento é uma oração e cada qual sabe a sua dor. Amante da vida, amigo do amigo, louco pela família, quem mexe com ela é inimigo. Crente no verbo amar, na criança, e em tudo que traz esperança, em tudo que ainda virá! Que sempre acredita que vai dar pé! Prazer, e você, quem é?

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Fonte: Balcão News

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